Peixes Montanheses - Parte 2
- andre hermeto
- 1 de nov. de 2023
- 12 min de leitura
Atualizado: 16 de nov. de 2023
ANDRÉ CORDEIRO (1974 - )

Até o momento, essa lista conta com grandes conquistas de diversos nadadores, conquistando medalhas olímpicas, quebrando barreiras na natação feminina ou nadando em cinco Jogos Olímpicos seguidos. Mas poucos atletas personificam a paixão pelo clube que o revelou como André Cordeiro. Em um país dominado pelo futebol, é comum vermos torcedores belorizontinos esbanjando suas tatuagens do “Cruzeiro do Sul” ou do “Galo Volpi”, representando símbolos dos dois gigantes da cidade. Mas Cordeiro seguiu uma linha diferente. Para homenagear seus 22 anos como nadador e 17 como técnico, ele marcou na pele o escudo do maior time de natação (e de tantos outros esportes) de Belo Horizonte. Ele tomou a decisão de eternizar o clube na pele após passar três anos nadando no rival carioca, o Flamengo, entre 2000 e 2002, antes de voltar para encerrar a carreira no MTC. “Quando eu voltei para o Minas foi como se eu voltasse pra minha casa. A tatuagem foi uma forma de agradecer a instituição, por toda a história que eu vivi, e as pessoas que fizeram parte dela. Comecei a nadar (no Minas) desde os quatro anos, e eu fiquei muito feliz com o retorno.” - conta André Cordeiro. Mas não pense que a presença de André aqui se baseie apenas em sua identificação com o clube e com a cidade. Como nadador, ele foi parte de uma das maiores gerações (se não a maior) do esporte em Belo Horizonte, e marcou presença em seis títulos do Troféu Maria Lenk e cinco do Troféu José Finkel, sendo uma peça importante em todos esses campeonatos. Em 1990, ainda com 16 anos, ele foi vice-campeão nos 400m livre, apenas 62 centésimos atrás do já experiente Paulo Fernando Almeida, nadador também minas-tenista, e campeão sulamericano da prova. Ele continuou a se destacar em provas de longa distância, sendo campeão brasileiro em 1992, nos 1.500m livre, até, eventualmente, se especializar em provas mais curtas, como os 100m e 200m livre. Em uma era onde tais provas eram dominadas pelas lendas da natação brasileira, Gustavo Borges e Fernando Scherer, Cordeiro foi um dos nadadores que conseguiu se destacar. Foi o nadador com melhor índice técnico no Troféu Julio Delamare de 1992, conforme exposto no Acervo do Minas. O prêmio é concedido ao nadador que desempenhou a melhor performance da competição, baseado em critérios definidos pela Federação Internacional de Natação (FINA). Ele continuou a se destacar em campeonatos brasileiros absolutos (entre todas as idades), até conquistar seu principal feito na natação. Em 1995, ele se juntou a Alexandre Massura, Fernando Scherer e Gustavo Borges no revezamento 4x100m livre no Campeonato Mundial de piscina curta (25 metros), realizado na praia de Copacabana. A equipe ficou em 1º lugar no revezamento, defendendo o título conquistado dois anos antes, no mundial de 1993.

Desde 1993, o revezamento 4x100m livre da natação masculina brasileira viria a ser composto sempre por Borges e Scherer, e mais dois. Em seu auge, Cordeiro compôs a equipe nas principais competições por cinco anos seguidos. Em 1995, foi campeão no mundial de curta; em 1996, 4º nos Jogos Olímpicos; em 1997, o revezamento foi desclassificado na final; em 1998, 6º no mundial de piscina longa; e para coroar as participações, ouro no pan-americano de Winnipeg (Canadá), em 1999.
Além dos títulos brasileiros conquistados pelo Minas, assim que deixou o clube em 2000, ele ajudou a entregar ao Flamengo dois títulos do Troféu José Finkel e um do Maria Lenk, feitos que o clube carioca não conseguia há mais de 11 anos. Somados, são sete títulos de cada uma das duas principais competições nacionais de natação, tornando André Cordeiro um dos grandes vencedores do esporte brasileiro.
Hoje, ele continua seu legado como treinador do mesmo clube que defendeu como nadador. Ele passou por todas as categorias da base do clube, além de ter sido treinador da equipe Master também. Foi tetracampeão brasileiro entre as categorias júnior e juvenil, e compôs a comissão técnica da seleção brasileira em três sul-americanos, um mundial júnior e um pan-americano júnior.
Uma vida inteira dedicada à natação, em sua maior parte defendendo as cores do MTC e representando Belo Horizonte, além é claro de conquistas relevantes e únicas, são motivos de sobra para incluir o nadador na lista dos maiores da capital mineira.
THIAGO PEREIRA (1986 - )

Talvez esse nome não precise de introdução. Qualquer brasileiro que já tenha visto uma Olimpíada desde 2004, ou um Pan-Americano desde 2003, ou simplesmente tenha entrado em um canal de notícias esportivas desde esse período, já deve ter ouvido falar de Thiago Pereira. O mais completo nadador da história da natação brasileira nasceu em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. No entanto, foi no Minas que consolidou sua carreira e viveu grande parte das suas maiores conquistas. Com apenas 15 anos, em 2002, ele veio para Belo Horizonte, com o Minas reconhecendo seu talento logo cedo. Ele conta, no podcast “Kritikê”, que a decisão de largar o conforto da casa dos pais, para morar em uma república e com salário de R$ 150 reais, foi facilitada pela estrutura que o Minas oferecia, e pela crença do clube em contribuir para o projeto de transformá-lo em um nadador olímpico, seu grande sonho na época. Foi a própria mãe de Thiago que buscou o contato com o Minas logo cedo; para a sorte do Minas, Ronaldo Celso, então assistente técnico do MTC, percebeu o talento do jovem nadador. Thiago talvez seja o nadador que melhor personifica o projeto de formação de atletas do Minas Tênis Clube. Embora já tenha chegado a Belo Horizonte com um belo trabalho feito nas categorias de base, e claro, seu talento, foi treinando no Minas que se transformou em um dos maiores nadadores da história. Logo no Troféu Brasil de 2002, com apenas 16 anos, foi medalha de prata em três provas: 200m e 400m medley, e nos 200m peito. Em 2003, participou da primeira de quatro aparições em pan-americanos, evento pelo qual, após conquistar 23 medalhas, ao longo das quatro edições, recebeu o apelido de “Mister Pan”. Em 2004, ele nadou em sua primeira Olimpíada, em Atenas, com apenas 18 anos, ficando em quinto colocado nos 200m medley. Nesse momento, parecia apenas uma questão de tempo para Thiago conquistar uma medalha olímpica ou mundial. Ele continuou a acumular vitórias nacionais e internacionais. Foi recordista mundial nos 100m medley em piscina curta em 2007, mesmo ano em que foi eleito nadador do ano pela renomada revista Swimming World Magazine; venceu inúmeras vezes o campeonato brasileiro de natação, em diferentes provas, incluindo nove vezes seguidas a prova do 400m medley (até 2012); e ganhou o prêmio de Rei da Copa do Mundo de 2010 (único latino americano a conquistar). No entanto, a medalha olímpica, que uma vez havia parecido uma certeza, não vinha. Nas Olimpíadas de Pequim, ficou em quarto lugar nos 200m medley e 8º nos 400m medley. O pódio nos campeonatos mundiais, também batia sempre na trave. Em 2007, em Melbourne, quarto; 2009, em Roma, quarto; 2011, em Xangai, sexto. Já com 26 anos, idade de certa forma avançada para um nadador de alto rendimento, a dúvida nas Olimpíadas de Londres, em 2012, era se Thiago jamais deixaria de ser o cara que quase chega lá. Um pouco de contexto aqui: Thiago participou da sua primeira Olimpíada, em 2004, na mesma época em que um americano de 19 anos, chamado Michael Phelps começou debates em rodas de amigos e noticiários sobre possivelmente se tornar o maior nadador de todos os tempos. Sua meta nesses Jogos era clara: conquistar oito ouros olímpicos, e bater o recorde de seu conterrâneo, Mark Spitz, que havia conquistado sete medalhas douradas nas Olimpíadas de Munique, em 1972. Além de Phelps, outras duas lendas da natação que viriam a ser uma pedra no sapato de Thiago também já começavam a se destacar, Ryan Lochte e Laszlo Cseh. Fosse nascido em qualquer outra era da natação, Thiago poderia não só já ter conquistado qualquer medalha olímpica/mundial, mas sim um ou mais ouros. Em 2010, ele encerrou sua primeira passagem pelo Minas. Assinou contrato com o Corinthians, mas manteve seu treinamento para as Olimpíadas de Londres 2012, em Los Angeles, nos EUA. A possibilidade de medalha vinha em suas duas provas, os 200m e 400m medley. Além dos três algozes do passado, uma nova ameaça ao sonho do brasileiro começava a despontar, o japonês Kosuke Hagino. Entre todas as vezes que Thiago terminou suas provas em mundiais e olimpíadas em quarto lugar, uma característica parecia ser a constante que decepcionava, o nado de crawl, o último em uma prova de medley. O nadador, apesar de excelente na modalidade, nunca conseguiu encaixar um bom final de prova nas competições, e comumente era ultrapassado nos últimos 50 metros das provas.
Em Londres, Thiago reescreveu a história. Enquanto Ryan Lochte já havia disparado rumo ao ouro, a briga pelo segundo lugar parecia ficar entre Thiago, Phelps e Hagino. Na última virada da prova, entrando nos 50 metros finais mais importantes de sua carreira, o brasileiro deu uma, duas, três golfinhadas debaixo d’água, antes de submergir para concluir a prova. Phelps e Hagino, já exaustos, deram apenas duas golfinhadas cada um. Ao bater na parede, Thiago viu seu nome em segundo lugar no placar, e o pódio olímpico finalmente teve o prazer de recebê-lo.

Tendo tirado o peso das costas, Thiago ainda veio a vencer ainda mais três medalhas em mundiais de natação, duas vezes em 2013, e uma vez em 2015. Neste último, o nadador já havia voltado ao Minas. Ele defendeu o clube até as Olimpíadas de 2016, no Rio. Desde sua aposentadoria, em 2017, Thiago continua a contribuir para o desenvolvimento da natação, sendo palestrante motivacional e empreendedor. Ele é membro da comissão de atletas da FINA (Federação Internacional de Natação) e do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e desde 2022, é idealizador do projeto “Nadando com Thiago Pereira”, no qual oferece aulas gratuitas para crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos. As aulas têm o intuito de ensinar a prática da natação, sem objetivo de preparo para alto rendimento, focado em reduzir o risco de afogamento em jovens, que é hoje a segunda causa de morte mais frequente entre crianças de um a nove anos no Brasil (dados da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático em 2014).
JOANNA MARANHÃO (1987 - )

Diferentemente do restante dos nadadores citados neste artigo, o Minas representou uma parcela minoritária na carreira de Joanna Maranhão. Com 17 anos de natação competitiva no currículo, apenas cinco desses anos foram disputados defendendo as cores do MTC. No entanto, ela não só participou, como foi crucial para momentos históricos do clube; além de ter desempenhado o melhor resultado de sua carreira e da natação brasileira feminina nos Jogos Olímpicos, enquanto nadava pelo Minas. Some a isso o fato de Joanna ter se tornado um porta voz de lutas fora d’água e, ter recebido, inclusive, uma Lei com seu nome em prol do combate a abuso sexual de menores, e você tem uma das maiores atletas que já defenderam qualquer clube, não só de Belo Horizonte, mas do Brasil. A Lei Joanna Maranhão foi resultado do engajamento da nadadora, natural de Recife, na luta contra o abuso sexual de crianças e adolescentes, crime do qual foi vítima de um de seus treinadores quando tinha nove anos de idade. Desde 2008, quando revelou o caso, sua denúncia resultou em uma maior mobilização do tema e, eventualmente, em uma lei que reviu procedimentos a fim de ampliar o exercício dos direitos de crianças e adolescentes. A Lei foi um marco na proteção infantil ao alterar os prazos de prescrição dos crimes de abuso sexual de crianças e adolescentes. Desde 2012, a contagem de tempo só começa na data em que a vítima fizer 18 anos, caso o Ministério Público não tenha aberto antes ação penal contra o agressor. Além disso, o prazo para denúncia aumentou para 20 anos. Joanna utilizou sua plataforma, já consolidada como uma das principais atletas do país, para mobilizar sua causa e a de muitos outros. Em fevereiro de 2008, quando o caso veio à tona, Joanna já havia sido cinco vezes seguidas a melhor nadadora brasileira do Troféu Brasil nas suas duas especialidades, 200m e 400m medley; medalhista pan-americana nos Jogos de 2003, em Santo Domingo, e em 2007, no Rio; e se tornou a brasileira com o melhor resultado olímpico de todos os tempos, igualando a lendária Piedade Coutinho, ao ficar em 5º lugar nos 400m medley nas Olimpíadas de Atenas, na Grécia, em 2004. Veja a prova abaixo:
Quando se transferiu para o MTC, em 2004, Joanna era a maior promessa da natação brasileira, junto com Thiago Pereira, também minas-tenista. Na Grécia, os dois entregaram resultados impressionantes, no entanto, o feito de Joanna representou a volta da natação feminina brasileira ao cenário internacional. Além de seu 5º colocado histórico, ela integrou o revezamento 4x200m livre brasileiro, que foi finalista olímpico depois de 56 anos sem que o Brasil conseguisse colocar uma equipe na final olímpica. Completaram a prova com ela, Mariana Brochado, Paula Baracho e Monique Ferreira. Depois de Atenas, a pernambucana nadou pelo Minas até o ano seguinte, quando deixou o clube e só retornou quatro anos depois, em 2009. Em sua segunda passagem, além de novas conquistas individuais, incluindo títulos brasileiros, e medalhas no pan-americano de Guadalajara, em 2011, ela foi peça fundamental na equipe do Minas que acabou com a hegemonia do Pinheiros nos Troféus Maria Lenk e José Finkel em 2011. Na competição, ela foi campeã em três provas individuais, os 200m borboleta, e os 200m e 400m medley, contribuindo com 100 pontos para os 2.525 do clube mineiro. Fora do Minas ela continuou a acumular conquistas. Hoje, seu currículo inclui quatro edições de Jogos Olímpicos, oito medalhas de pan-americano, recordes brasileiros e sul-americanos, e um legado de ativismo em causas fora d’água. Mesmo com apenas cinco anos de passagem por BH, é impossível deixar de citar o privilégio de ter uma das maiores nadadoras brasileiras de todos os tempos representando um clube da cidade.
FERNANDO SCHEFFER (1998 - )
